Paulo Mendes Campos
Biografia de Paulo Mendes Campos
Paulo Mendes Campos (1922-1991) foi um escritor, jornalista e poeta brasileiro, conhecido, sobretudo, por suas crônicas.
Paulo Mendes Campos nasceu em Belo Horizonte, Minas Gerais, no dia 28 de fevereiro de 1922. Filho do médico e escritor, manifestou muito jovem o seu interesse pela literatura.
Estudou direito, odontologia e veterinária, mas não concluiu nenhum dos cursos. Entrou para a Escola Preparatória de Cadetes, em Porto Alegre, com a pretensão de ser aviador, mas também desistiu.
Em 1939, de volta a Belo Horizonte dedicou-se ao jornalismo e assumiu a direção do Suplemento Literário da Folha de Minas.
Com os três amigos mineiros, Fernando Sabino, Otto Lara Resende e Hélio Peregrino, formou o quarteto famoso autointitulado Quatro cavaleiros do apocalipse.
Em 1945, Paulo Mendes mudou-se para o Rio de Janeiro onde trabalhou no Instituto Nacional do Livro e dirigiu a seção de obras raras da Biblioteca Nacional.
Cronista e poeta
Paulo Mendes Campos escreveu suas primeiras crônicas no Diário Carioca e manteve por longos anos uma coluna semanal na revista Manchete.
Em 1951 escreveu o livro de poemas A Palavra Escrita, mas foi com O Domingo Azul do Mar (1958) que se destacou na poesia.
Em 1960 publicou seu primeiro livro de crônicas, O Cego de Ipanema. Entre outras obras destacam-se: Homenzinho na Ventania (1962), Os Bares Morrem numa Quarta-feira (1981) e Diário da Tarde (1996).
Paulo Mendes Campos faleceu no Rio de Janeiro, no dia 1 de julho de 1991.
Poemas de Paulo Mendes Campos
As Mãos que se Procuram
Quando o olhar adivinhando a vida
Prende-se a outro olhar de criatura
O espaço se converte na moldura
O tempo incide incerto sem medida
As mãos que se procuram ficam presas
Os dedos estreitados lembram garras
Da ave de rapina quando agarra
A carne de outras aves indefesas
A pele encontra a pele e se arrepia
Oprime o peito o peito que estremece
O rosto o outro rosto desafia
A carne entrando a carne se consome
Suspira o corpo todo e desfalece
E triste volta a si com sede e fome.
Três Coisas
Não consigo entender
O tempo
A morte
Teu olhar
O tempo é muito comprido
A morte não tem sentido
Teu olhar me põe perdido
Não consigo medir
O tempo
A morte
Teu olhar
O tempo, quando é que cessa?
A morte, quando começa?
Teu olhar, quando se expressa?
Muito medo eu tenho
Do tempo
Da morte
De teu olhar
O tempo levanta o muro.
A morte será o escuro?
Em teu olhar me procuro.
Crônica de Paulo Mendes Campos
O Amor Acaba
"O amor acaba. Numa esquina, por exemplo, num domingo de lua nova, depois de teatro e silêncio; acaba em cafés engordurados, diferentes dos parques de ouro onde começou a pulsar; de repente, ao meio do cigarro que ele atira de raiva contra um automóvel ou que ela esmaga no cinzeiro repleto, polvilhando de cinzas o escarlate das unhas; na acidez da aurora tropical, depois duma noite votada à alegria póstuma, que não veio; e acaba o amor no desenlace das mãos no cinema, como tentáculos saciados, e elas se movimentam no escuro como dois polvos de solidão; como se as mãos soubessem antes que o amor tinha acabado; na insônia dos braços luminosos do relógio; e acaba o amor nas sorveterias diante do colorido iceberg, entre frisos de alumínio e espelhos monótonos; e no olhar do cavaleiro errante que passou pela pensão; às vezes acaba o amor nos braços torturados de Jesus, filho crucificado de todas as mulheres; mecanicamente, no elevador, como se lhe faltasse energia; no andar diferente da irmã dentro de casa o amor pode acabar; na epifania da pretensão ridícula dos bigodes; nas ligas, nas cintas, nos brincos e nas silabadas femininas; quando a alma se habitua às províncias empoeiradas da Ásia, onde o amor pode ser outra coisa, o amor pode acabar; na compulsão da simplicidade simplesmente; no sábado, depois de três goles mornos de gim à beira da piscina; no filho tantas vezes semeado, às vezes vingado por alguns dias, mas que não floresceu, abrindo parágrafos de ódio inexplicável entre o pólen e o gineceu de duas flores; em apartamentos refrigerados, atapetados, aturdidos de delicadezas, onde há mais encanto que desejo; e o amor acaba na poeira que vertem os crepúsculos, caindo imperceptível no beijo de ir e vir; em salas esmaltadas com sangue, suor e desespero; nos roteiros do tédio para o tédio, na barca, no trem, no ônibus, ida e volta de nada para nada; em cavernas de sala e quarto conjugados o amor se eriça e acaba; no inferno o amor não começa; na usura o amor se dissolve; em Brasília o amor pode virar pó; no Rio, frivolidade; em Belo Horizonte, remorso; em São Paulo, dinheiro; uma carta que chegou depois, o amor acaba; uma carta que chegou antes, e o amor acaba; na descontrolada fantasia da libido; às vezes acaba na mesma música que começou, com o mesmo drinque, diante dos mesmos cisnes; e muitas vezes acaba em ouro e diamante, dispersado entre astros; e acaba nas encruzilhadas de Paris, Londres, Nova Iorque; no coração que se dilata e quebra, e o médico sentencia imprestável para o amor; e acaba no longo périplo, tocando em todos os portos, até se desfazer em mares gelados; e acaba depois que se viu a bruma que veste o mundo; na janela que se abre, na janela que se fecha; às vezes não acaba e é simplesmente esquecido como um espelho de bolsa, que continua reverberando sem razão até que alguém, humilde, o carregue consigo; às vezes o amor acaba como se fora melhor nunca ter existido; mas pode acabar com doçura e esperança; uma palavra, muda ou articulada, e acaba o amor; na verdade; o álcool; de manhã, de tarde, de noite; na floração excessiva da primavera; no abuso do verão; na dissonância do outono; no conforto do inverno; em todos os lugares o amor acaba; a qualquer hora o amor acaba; por qualquer motivo o amor acaba; para recomeçar em todos os lugares e a qualquer minuto o amor acaba.
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