Bocage

Poeta português
Por Dilva Frazão
Biblioteconomista e professora

Biografia de Bocage

Bocage (1765-1805) foi um importante poeta português do século XVIII, considerado o maior representante do Arcadismo e o precursor do Romantismo. Poeta satírico, erótico e pornográfico, é vítima até hoje de sua própria fama e dos preconceitos que despertou.

Identificado principalmente pela poderosa veia satírica, produziu, porém, os mais belos poemas líricos, sendo colocado ao lado de Luiz de Camões e Antero de Quental, como figuras máximas da poesia portuguesa.

Manuel Maria Barbosa du Bocage nasceu em Setúbal, às margens do rio Sado, em Portugal, no dia 15 de setembro de 1765. Filho de José Luís Soares de Barbosa, juiz e ouvidor, e de Mariana Joaquina Xavier l'Hedois Lustoff du Bocage, descendente de família da Normandia, região histórica do noroeste da França.

Em 1783 Bocage alistou-se na Marinha Real, embarcando para a Índia três anos depois. Viveu em Goa, quando foi promovido a tenente. Depois foi mandado para Damão, desertando logo a seguir. Ao fugir da Marinha, viveu em Macau e de lá retornou à sua Pátria, em 1790.

No regresso à Lisboa, apaixonou-se pela mulher do seu irmão e entregou-se à boemia. Nessa época, escreveu versos sobre a desilusão amorosa e as dificuldades financeiras.

Bocage e o Arcadismo (ou Neoclassicismo)

No início de sua atividade literária, Bocage seguiu a moda do Arcadismo – movimento que faz referência à Arcádia, região da Grécia onde, segundo a mitologia, pastores levavam uma vida inocente e feliz, em contato com a natureza.

Convidado pelo padre José Agostinho de Macedo, participou com o pseudônimo de Elmano Sadino da associação de poetas denominada “Nova Arcádia” ou Academia das Belas Artes, que surgiu em Portugal em 1790.

O objetivo dos novos artistas era abolir os padrões da poesia barroca e buscar inspiração na Antiguidade (grega e romana) e nos poetas do Classicismo do século XVI, principalmente Camões. Daí o nome de Neoclassicismo que se dá também ao Arcadismo.

A Academia publicou algumas poesias sob o título de “Almanaque das Musas”, porém teve curta duração, conquistando prestígio somente com a produção do padre Agostinho e de Bocage, como no trecho do poema “Queixumes do pastor Elmano”, que traz características do arcadismo como bucolismo, pastoreio e amor idealizado:

"Seu manto desdobrava a Noite escura,
E a Rã no charco, o Lobo na espessura
Vociferando, os ares atroavam,
Do trabalho diurno já cessavam
Os rudes, vigorosos Camponeses:
O Vaqueiro, cantando atrás das Reses,
Após as Cabras o Pastor cantando,
Iam para as Malhadas caminhando;
Tudo jazia em paz, menos o triste,
O desgraçado Elmano, a quem feriste,
Oh pernicioso Amor, cruel Deidade,
Flagelo da infeliz Humanidade:
Tudo enfim, descansava, exceto Elmano, (...)"

Outro exemplo é o poema dedicado à sua amada Marília:

"Olha, Marília, as flautas dos pastores,
Que bem que soam, como são cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-se! Olha, não sentes
Os Zéfiros brincar por entre as flores?

Vê como ali, beijando-se, os Amores
Incitam nossos ósculos ardentes!
Ei-las de planta em planta as inocentes
As vagas borboletas de mil cores.

Naquele arbusto o rouxinol suspira,
Ora nas folhas a abelhinha para.
Ora nos ares sussurrando, gira:

Que alegre campo! Que manhã tão clara!
Mas ah! Tudo o que vês, se eu não te vira,
Mais tristeza que a morte me causara (...)"

Após desentender-se com o padre Agostinho, Bocage foi expulso da Academia em 1794.

Carta a Marília

Em 1797, Bocage foi preso por fazer sátiras contra a nobreza e o clero, sobretudo no poema Carta a Marília, cujo verso inicial é “Pavorosa Ilusão de Eternidade”:

"Pavorosa Ilusão de Eternidade,
Terror dos vivos, cárcere dos mortos;
D’almas vãs sonhos vão, chamado inferno;
Sistema de política opressora,
Freio que a mão dos déspotas, dos bonzos
Forjou para a boçal credulidade;
Dogma funesto, que o remorso arraigas
Nos termos corações, e a paz lhe arrancas:
Dogma funesto, detestável crença,
Que envenena delícias inocentes! (...)"

Acusado de impiedade e antimonarquismo, Bocage foi condenado e encarcerado na masmorra do Limoeiro, de agosto em dezembro. Em seguida, foi levado para as prisões do Santo Ofício. No ano seguinte, foi mandado para o convento de São Bento e depois para o Hospício das Necessidades, até se retratar e se conformar com as convenções religiosas e morais da época.

Ao voltar à liberdade, Bocage levou uma vida dedicada à tradução de autores latinos e franceses.

Poeta Lírico

Com o tempo, Bocage abandonou a poesia artificial e começou a falar mais de seu mundo interior, de seus dramas existenciais e amorosos, numa linguagem emotiva que encontrou grande receptividade entre os leitores daquela época, vindo a ser um dos poetas mais lidos em Portugal.

Bocage
Retrato de Bocage

Bocage deixou fama de poeta satírico, e tornou-se sinônimo de contador de histórias picantes e obscenas. Seus versos eróticos e burlescos circulam até hoje, em edições clandestinas, com anedotas atribuídas a Bocage, sem nenhuma base real.

Por outro lado produziu também os mais belos poemas líricos, a ponto de ser colocado ao lado de Camões e Antero de Quental, como figuras máximas da poesia portuguesa. Ao lado da sátira agressiva, Bocage desenvolveu sua veia amorosa, na qual o ciúme é a tônica de muitos versos, refletindo sua insegurança em relação ao objeto amado.

Bocage foi pré-romântico no gosto do mórbido, no uso de palavras altissonantes, nos recursos a interjeições, reticências e apóstrofes. Sua poesia individualista e pessoal foi uma antecipação do que seria a poesia romântica do século XIX.

Além de sonetos, Bocage compôs elegias, odes, fábulas e cantatas. Escreveu também epigramas e sessenta e nove sonetos satíricos, nos quais, a caricatura é marca fundamental. As melhores composições são: Pavorosa Ilusão da Eternidade e Pena de Talião, dirigida a seu inimigo José Augustinho.

Publicou em vida apenas Rimas, (1791-1804) em III volumes. Na edição de VI volumes de 1853, intitulada Poesias, estão as melhores coletâneas de sua obra, como também as traduções de Ovídio e Jacques Delille.

A preocupação com a métrica, com a estruturação do poema e a seleção vocabular colocam os sonetos de Bocage como verdadeiras obras-primas, como no trecho da seguir: 

Convite à Marília:

Já se afastou de nós o inverno agreste
Envolto nos seus úmidos vapores;
A fértil Primavera, a mãe das flores,
O prado ameno de boninas vestes:

Varrendo os ares o sutil nordeste
Os toma azuis; as aves de mil cores,
Adejam entre Zéfiros, e Amores,
E toma o fresco Tejo a cor celeste:

Vem, ó Marília, em lograr comigo,
Destes alegres campos a beleza,
Destas copadas árvores o abrigo:

Deixa louvar da corte a vã grandeza:
Quanto me agrada mais estar contigo
Notando as perfeições da Natureza

Morte

Manuel Maria Barbosa du Bocage faleceu em Lisboa, Portugal, no dia 21 de dezembro de 1805, vítima de um aneurisma.

Frases de Bocage

  • "Triste quem ama, cego quem se fia."
  • "Os amantes são assim: Todos fogem à razão."
  • "Amores vêm e vão, mas o verdadeiro amor nunca sai do coração."
  • "Razão, de que me serve o teu socorro? Mandas-me não amar, eu ardo, eu amo. Dizes-me que sossegue, eu peno, eu morro."
  • "Se amor vive além da morte, constância eterna hei de ter. Se amor dura só na vida, hei de amar-te até morrer."
  • "Morrer é pouco, é fácil, mas ter vida delirando de amor, sem fruto ardendo, é padecer mil mortes, mil infernos."
Dilva Frazão
É bacharel em Biblioteconomia pela UFPE e professora do ensino fundamental.
Veja também as biografias de: