Fernão Lopes

Cronista-mor do reino de Portugal
Por Dilva Frazão
Biblioteconomista e professora

Biografia de Fernão Lopes

Fernão Lopes (1380-1460) foi escrivão e cronista-mor do Reino de Portugal. Por mais de 20 anos registrou a memória do povo e do reino, desde a primeira dinastia (Borgonha) até o reinado de D. João I (Avis). Foi considerado o maior cronista histórico de Portugal

Fernão Lopes nasceu em Lisboa, Portugal, por volta de 1380. De origem humilde, nada se sabe sobre sua formação intelectual, mas é conhecido o seu percurso profissional.

O primeiro registro que se tem a seu respeito data de 1418, quando era um dos secretários da família real e da Corte, e foi nomeado guarda-mor da Torre do Tombo, o arquivo Régio, em Lisboa, importante cargo de confiança.

Entre 1419 e 1433 foi secretário de D. João I, filho bastardo de D. Pedro I, o primeiro rei da segunda dinastia real - a Dinastia de Avis, que reinou de 1383 a 1433.

Nessa época, a Península Ibérica assumiu outras perspectivas, tanto no plano cultural, como no histórico: expulsou os mouros de seu território e libertou-se da influência castelhana. Iniciou assim uma luta para firmar sua independência.

A memória do trono português

No âmbito cultural e literário, ocorreu um importante acontecimento: em 1433, D. Duarte herdou o trono. Culto, mesmo antes de assumir o trono, deixou para a posteridade diversas obras. Em 1434 criou o cargo de cronista-mor do reino, nomeando Fernão Lopes para ocupá-lo.

A leitura, a produção do livro e a criação literária acentuam-se na corte portuguesa do século XV. A Dinastia de Avis intensificou o interesse pelos problemas teóricos, doutrinários, religiosos e políticos do momento.

D. Duarte criou uma biblioteca, incentivava a leitura das obras e sugeriu a Fernão Lopes que “colocasse em crônicas a história dos reis de Portugal”. Alimentado por este objetivo, o cronista retratou o panorama da sociedade portuguesa dos séculos XIV e XV.

Suas crônicas históricas se tornaram um marco do Humanismo em Portugal. Pela função, o cronista recebia um valor anual de 14 mil reis.

Fernão Lopes deixou registrado o vivo testemunho de suas qualidades de investigador da história e um notável amor pela verdade dos fatos. Retratou a vida social da nação, defendeu com imparcialidade sua terra e seu povo. O cronista destacou os fatores econômicos e políticos da época de D. João I, em que a burguesia se transformara em terceira força.

Crônicas de Fernão Lopes

Atribui-se a Fernão Lopes a autoria das seguintes crônicas: 

Crônica de D. Pedro I (correspondente ao reinado de D. Pedro I de Portugal, que decorreu entre 1357 e 1367.
Crônica de D. Fernando (1436) 
Crônica de D. João I (1443) (primeira e segunda parte).

É também reconhecida, pela maioria dos estudiosos, como de autoria de Fernão Lopes a “Crônica de 1419” um conjunto de narrativas sobre os sete primeiros reis de Portugal.

Contemporâneo da ascensão da dinastia de Avis ao trono de Portugal, Fernão Lopes sentiu de perto a força do povo nas lutas pela liberdade e considerou esse aspecto no processo de desenvolvimento histórico. Para ele, a história de um povo não era constituída apenas pelas façanhas dos reis e cavaleiros, mas também por movimentos populares e forças econômicas.

Fernão Lopes descreveu não só o ambiente das cortes, mas também as aldeias, as rebeliões de rua, as guerras, o sofrimento da população e a alegria das vitórias. O seu interesse pelo lado humano dos fatos que determinaram a História é evidente, não poupando críticas a reis e nobres.

A obra de Fernão Lopes, e especialmente a Crônica de D. João I, é um documento, na medida em que pretende registrar e fazer prova dos fatos considerados dignos de memória que tem o rei como o protagonista da história, mas além de um documento, é também um monumento, uma vez que pretende fixar de modo perene uma exaltação dos feitos régios, que passava pela construção de túmulos e pela fundação de capelas régias, pela edificação de paços reais como o de Sintra ou do Mosteiro da Batalha.

O cuidado em fundamentar a versão dos acontecimentos, recorrendo a fontes narrativas ou documentais, a sua indagação junto de pessoas que ainda tinham presenciado os acontecimentos revolucionários de 1383 a 1385, as declarações de apego à verdade, como ele mesmo escreveu, levou o cronista a atingir seus objetivos e ganhar credibilidade. Pelo alto nível de suas crônicas foi considerado o pai da historiografia portuguesa. Recebeu o título de Heródoto Português.

Fernão Lopes não foi só um historiador, mas o criador da prosa portuguesa de alta qualidade literária. Páginas criadas como modelo, pelo estilo, são aquelas em que descreve a revolução de 1383, que leva ao poder o grande chefe da casa de Avis, D. João I.

O assassinato de Inês de Castro

Na crônica de D. Pedro, Fernão Lopes narra o assassinato de Inês de Castro, quando D. Pedro e Inês vivem o mais famoso e trágico caso de amor da história português, várias vezes recontado por escritores e poetas, como Luís de Camões. Inês, dama de Castela, acompanhou D. Constança quando esta foi casar-se com o príncipe D. Pedro, filho de D. Afonso IV.

D. Pedro e Inês apaixonaram-se e chegaram a ter filhos. Isso deixou os nobres portugueses preocupados, pois temiam que a ligação pudesse afastar o sucessor legal do trono, D. Fernando, filho de D. Pedro e D. Constança. O rei D. Afonso IV expulsou Inês de Portugal. Mas com a morte de D. Constança, D. Pedro trouxe-a de volta e passaram a viver juntos novamente. Certa vez, aproveitando-se da ausência do príncipe, os nobres pressionaram D. Afonso IV e fizeram com que concordasse com o assassinato de Inês, que acabou s concretizando em Coimbra, no dia 7 de janeiro de 1355. Quando assumiu o trono em 1357, D. Pedro conseguiu capturar os assassinos, vingando cruelmente a morte de Inês.

Nesse trecho a seguir, Fernão Lopes narra a cruel vingança de D. Pedro:

"A Portugal foram trazidos Álvaro Gonçalves e Pero Coelho, e chegaram a Santarém onde el-Rei Dom Pedro era; e el-Rei com prazer de sua vinda, porém mal magoado porque Diego Lopes fugira, ou saiu fora a receber, e sanha cruel sem piedade lhos fez per sua mão meter a tormento, querendo que lhe confessassem quais foram na morte de D. Inês culpados, e que era o eu seu padre tratava contra ele quando andavam desavisados por ao da morte dela; e nenhum deles respondeu a tais perguntas cosa que a el-Rei com queixume dizem que deu um açoute no rosto a Pero Coelho, e ele se soltou então contra el-rei em desonestas e feias palavras, chamando-lhe traidor, fé perjuro, algoz e carniceiro dos homens; e el-Rei, dizendo que lhe trouxessem cebola e vinagre para o coelho, enfadou-se deles e mandou-os matar”.

"A maneira de sua morte, sendo dita pelo miúdo, seria muito estranha e crua de contar, ca mandou tirar o coração pelos peitos a Pero Coelho, e a Álvaro Gonçalves pelas espáduas; e quais palavras ouve, e aquele eu lho tirava, que tal ofício havia pouco em costume, seria bem dorida cousa d’ouvir; enfim mandou-os queimar; e tudo feito ante os paços onde ele pousava, de guisa que comendo olhava quanto mandava fazer”.

“Muito perdeu el-Rei de sua boa fama por tal escambo como este, o qual foi havido em Portugal e em Castela por mui grande mal, dizendo todolos bons que o ouviam, que os Reis erravam mui muito indo contra suas verdades, pois que estes cavaleiros estavam sobre segurança acoutados em seus reinos”.

Fernão Lopes permaneceu como cronista oficial do reino até 1448 quando o rei D. Afonso V (1438-1481) nomeou Gomes Eanes de Azurara como o cronista-mor do Reino. Fernão Lopes permaneceu como guarda-mor da Torre do Tombo até 1454, e segundo os pesquisadores, teria falecido em Lisboa, no ano de 1460.

Dilva Frazão
É bacharel em Biblioteconomia pela UFPE e professora do ensino fundamental.
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